A Posse

Eu havia esperado cerca de um ano desde a realização do concurso. E agora estava novamente na plataforma da estação ferroviária de Araçatuba, à espera de um trem que até então somente havia tomado no sentido contrário, o de Bauru (SP). A outra direção, para a qual iria, era a de Corumbá (MS), fronteira com a Bolívia.

A expectativa de trem cheio, como invariavelmente ocorria, fez-me esperá-lo lá no início da plataforma, deixando a mala maior com Dayse. Era com uma pequena sacola que iria marcar o meu lugar, atirando-a pela janela numa corrida desenfreada e paralela aos vagões de primeira classe.

Cumprida a tarefa e com um bom lugar assegurado junto a uma das janelas, despedi-me da mulher e do filho, André Luís, com dois aninhos. Iria só, para tomar posse na agência do Banco do Brasil em Campo Grande, então Estado do Mato Grosso. Dayse ficaria algum tempo na casa dos pais, pois já tínhamos saído de nossa casa e a mudança estava toda engradada, guardada na garagem da casa de um tio. Assim que alugasse um imóvel, voltaria para buscá-los e para despachar nossas traias.

Estava relutante em assumir meu cargo no Banco. O funcionário da agência em Araçatuba, que me prestou as informações e me entregou a papelada que deveria levar e com ela me apresentar, havia-me desestimulado. O salário inicial do auxiliar de escrita Ref. 050, segundo ele que conhecia Campo Grande, mal daria para pagar o aluguel de uma casa pequena. Iria viver do que, então? Na época trabalhava na Coletoria Estadual. Dissera a meu pai que estava querendo desistir do Banco do Brasil e ele insistiu para que eu fosse, assegurando-me que pagaria o valor do aluguel da casa até eu poder arcar com todas as despesas. E assim foi.

Foram aproximadamente dezessete horas de sacolejos, viagem em bitola estreita. Pela janela, poeira levantada da base dos trilhos e fagulhas expelidas pela locomotiva do tipo maria-fumaça. E a monotonia do barulho sincopado das rodas nos trilhos — tumtum…tumtum; tumtum…tumtum. De quando em quando, nas curvas, aço esfregando em aço guinchava. Entre um cochilo e outro, uma boa caminhada pelos corredores dos vagões até o restaurante. A refeição, por conta do dinheiro curto, era um bom sanduíche de mortadela com refrigerante típico daquela região, a maçãzinha ou a tubaína.

Sete horas da manhã do dia seguinte ao embarque, mais ou menos, o trem ocupa todo o espaço da plataforma da estação ferroviária de Campo Grande e para. A expectativa era enorme, pois não conhecia absolutamente nada daquela cidade, exceto as referências desanimadoras de quem já havia estado por lá. Com o corpo moído pela noite mal dormida, alcancei minhas coisas no bagageiro acima de minha cabeça e entrei na fila que se formou no corredor do trem para descer naquela estação. Até parecia que ali estava o destino de todos os passageiros. Em pouco tempo estava desembarcado, à procura da saída para a rua. Vislumbrei à distância o grande portão de ferro por onde deveria sair, venci a distância que nos separava e eis-me na calçada da Avenida Calógeras.

Minha nossa! Aquilo era um verdadeiro cenário de bang-bang. Até um bebedouro para os animais que puxavam charretes e carroças fazia parte do cenário. A decepção foi tanta que, acaso aquele trem fosse retornar a partir dali e naquele momento, eu teria embarcado de volta. O que fazer? Não tinha a menor idéia para onde ir. Era um domingo, a cidade, naquele horário, totalmente deserta. A solução foi pegar uma charrete que fazia ponto junto à estação e pedir ao condutor que me levasse a uma pensão que fosse barata e próxima da agência do Banco do Brasil. Pensão de quinta categoria, diga-se de passagem, e que, por mais barata que pudesse ser, quase não estaria ao meu alcance não fossem as negociações entabuladas com sua proprietária. Deveria dividir o quarto com outro hóspede, que acabou sendo um velhote que levantava duas ou três vezes de madrugada para ir ao banheiro, não sem antes trombar com tudo o que havia no caminho entre a cama dele e a porta de saída.

Dia seguinte, segunda-feira, três de outubro, dia de eleição. Tratei logo de procurar informações sobre como justificar minha impossibilidade de votar, além de dar boas caminhadas em reconhecimento da área central da cidade, com o propósito maior de localizar a agência do BB.

Quatro de outubro de 1966, oito horas da manhã, lá estava no recinto da agência, apresentando-me para o trabalho. Sou levado para o setor de funcionalismo cujo chefe, Reinaldo Benjamim Ferreira, recebe-me com muita cordialidade e de onde, seu auxiliar, Salomão Auday, leva-me por entre as mesas de trabalho dos dois andares da agência, apresentando-me a todos os colegas. Ao final das apresentações, sou destacado para o setor de cobrança, onde iria trabalhar sob a batuta do chefe Antonio dos Anjos Branco, dividindo as tarefas com José Lopes Lins e Clênio da Silveira. Ali ficaria até a minha ida para Assis (SP), que aconteceu cerca de três anos depois, graças a uma permuta.

No final desse primeiro dia, meus futuros colegas e amigos convidaram-me — não sem antes tentarem dar o golpe em mim também — para tomar algumas cervejas que seriam pagas com o dinheiro de outro funcionário novato que havia sido convencido, durante aquele expediente, sobre a importância de fazer a “assinatura” da revista DESED, criada recentemente pelo BB e que, obviamente, tinha distribuição gratuita. Paulo Kuwabara era o nome do gaiato.

Esse foi o meu batismo de vinte e sete anos de Banco do Brasil, iniciados em Campo Grande (MS) e encerrados em Salvador (BA), com passagens por Assis (SP), Anadia e Maceió (AL).

a sala ampla e o cinzeiro<< >>Assis

About the author : B.Lansac