Minha mãe artista

Pois então, meu querido e inútil Facebook, minha mãe, Dona Denise, foi uma verdadeira artista, criativa e original, que por conta, creio, de algum tempo – não sei quanto – foi interna em colégio de freiras em São Paulo, provavelmente no Sacre Coeur ou Sion. Como as moças de família de sua época, lá eram preparadas para serem as rainhas do lar, prendadas e conhecedoras do mister, educadas para o casamento, tudo com a “finesse” que a primeira metade do século passado exigia das moças casadouras.

Depois de casada, e para complementar o orçamento do lar, colocou sua genialidade, criatividade e bom gosto a serviço da culinária e do vestuário. Na culinária, quando vivíamos em Marília, interior do Estado de São Paulo, ela tinha a força e o preparo para assumir festas de todos os tipos, principalmente casamentos, com seus doces, salgados e bolos. Numa época em que não havia complementos e adornos prontos a serem adquiridos, tudo saíds de sua cabeça de maneira criativa, única e magistral. Lembro-me até hoje de dois detalhes: o primeiro, e recordação mais forte. os docinhos de massa de nozes sobre os corpos de tartaruguinhas, moldada como se fosse os casco, tartaruguinhas feitas com massas delicadas e que derretiam suave e gostosamente na boca.

O segundo, uma vez que na época não havia a chamada pasta americana, era o glacê delicado e finíssimo que fazia e cobria seus bolos de casamento, aproveitando-os também para fazer o repertório de flores e adereços que os enfeitariam. Eram bolos feitos em dói, três e até quatro andares, sobre formas projetadas por ela e feitas por marceneiro de sua confiança. Um verdadeiro show de beleza, bom gosto, competência, delicadeza e, sobretudo, amor. As obras de minha mãe eram feitas com muito amor e carinho, sempre auxiliada por sua comadre Dona Vitoria.

Quando retornamos para Araçatuba (SP), ano de 1953, ela resolveu que não ficaria mais na cozinha e, mais tarde, direcionou seu talento para outra coisa que fazia com magistralidade, originalidade e fino bom gosto: bordados em vestidos, desenhados (os bordados) por ela e onde eram colocados em seu risco, pecinhas por pecinhas, miçangas, canutilhos, lantejoulas e outros vidrilhos e acessórios que adquiria no Bazar das Flores por intermédio deste que era seu braço direito na época: eu. Meus irmãos mais velhos, Oscar e Maria Carolina, estudavam em outras cidades e a mais nova, Maria Angélica, era muito novinha para a tarefa. Pelo menos durante algum tempo.

A época que mais encomendas de bordados minha mãe era aquela próxima ao baile de debutantes, todos os anos realizado no salão superior do Araçatuba Clube. Tantas eram as tarefas que minha mãe arrumou uma aluna, que era remunerada, para ajudá-la nos trabalhos de bordar. Isaura era o nome da menina nissei, delicada e silenciosa, extremamente educada. Vários anos se passaram e seu comportamento nunca se alterou.

Para dar cobertura a tudo aquilo lá estava eu, inclusive para sair e fazer a cobrança dos trabalhos entregues e que, por alguma razão, mesmo depois de o baile já ter acontecido, os devidos pagamentos eram esquecidos. Nunca omiti de ninguém que eu era levado da breca, em parte só controlado pelas inumeráveis coças recebidas da Dona Denise. Simplesmente era um moleque levado, mas que nunca fizera mal a ninguém. Talvez apenas a ele mesmo. Com essa fama de criança ou adolescente levado, pegava minha bicicleta e ia até à casa da freguesa de minha mãe. Poucas casas tinham campainha, sendo preciso bater palmas.

Imagino o terror para a devedora ter à sua porta, batendo palmas em som estridente e, após a madame aparecer – ou diretamente ou chamada por sua empregada doméstica – ouvir o meu grito lá do portão, junto à calçada:
– “Dona Fulana, minha mãe mandou eu vir buscar o dinheiro do vestido que ela bordou pra senhora.”

Tiro e queda. Funcionava sempre. E lá pegava eu novamente minha magrela e voltava para casa com o dinheiro recebido. Minha mãe já podia honrar seus compromissos com a família Mori, proprietária do Bazar das Flores.

E eu, orgulhoso da missão cumprida.

Bicicletas<< >>Rua Herminio Magalhães

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