A saga dos Lopez Carbajo

Da esquerda para a direita: Juan filho, Casto, Juan pai e Antonio Os frios e úmidos dias do inverno de 1888 marcavam ainda mais o cinza do cenário que envolvia também tristeza e apreensão na reunião familiar, que acontecia na casa dos Lopez Carbajo. Os pais, Juan e Luciana, reuniram os filhos em volta da lareira da casa de pedra, onde a madeira pipocava soltando faíscas que riscavam o ar como estrelas cadentes. O filho mais velho, Casto, que acabara de voltar da lida com os animais da pequena propriedade, juntara-se aos irmãos Juan, Antonio, Felicidad e Francisca.

Villar de los Barrios era então um importante povoado na região de El Bierzo, Província de León, Espanha. Brasões de família, esculpidos nas pedras enormes que adornavam a fachada das casas, deixavam essa importância claramente definida. À beira do Caminho de Santiago, Villar dividia com Ponferrada o privilégio das permanentes visitas e passagens de peregrinos a caminho de Compostela.

Ao calor da lareira e das expectativas, tudo já estava decidido para os meninos Juan, 11 anos, Antonio, 12, e Casto, 14. A Espanha envolvia-se em guerras e, como era comum naqueles idos, as crianças que podiam suportar o peso do fuzil e do embornal contendo munição e comida eram invariavelmente encaminhadas ao encontro da morte no “front” dos últimos resquícios do colonialismo castelhano. Por outro lado, com a promulgação da Lei Áurea em maio de 1888, o Brasil abrira seu território para os imigrantes do Velho Mundo e, notadamente alemães, portugueses, italianos e espanhóis, viram ali uma oportunidade de realizarem sonhos praticamente impossíveis de tornarem-se realidade em solo europeu. O Brasil agrícola, que finalmente livrara os negros escravos de seus grilhões, era uma promessa que poderia gerar bons frutos.

Juan Lopes Carrera, então com 36 anos, tinha amigos no Novo Mundo, mais precisamente no interior da Província de São Paulo, e, para aqueles, havia decidido entregar a guarda e o destino dos filhos varões. Depois de alguns meses de preparativos, aquele homem de alma e mãos calejadas pela vida e pela lida com o campo, iniciaria a jornada com os três filhos adolescentes. Tudo já estava preparado para o início da jornada, desde Villar de los Barrios até o porto de Vigo, na Província da Galícia, de onde zarpariam, e depois o Império do Brasil. O destino seria a capital Rio de Janeiro, Hospedaria Pinheiros.

Dali, interior da província paulista, região de Cravinhos, não sem antes passarem pela Hospedaria São Paulo. O embarque aconteceu em 04 de março de 1889 e a navegação duraria vinte e sete dias.
Quem poderia imaginar o que se passava na mente e no coração daquele quarteto trágico durante os dias de mar agitado em que a viagem transcorreu? Um pai que, para salvar os filhos, resolvera levá-los para um outro continente, outro hemisfério, outro mundo. E três meninos, à força travestidos de homenzinhos, prestes a enfrentar uma realidade absolutamente diversa e adversa, afastados do convívio e do amor dos pais e irmãs.

Em 31 de março de 1889 chegaram à capital paulista, pouco mais de sete meses portanto antes que o militar brasileiro Manuel Deodoro da Fonseca derrubasse a monarquia, comandando as tropas que cercaram o quartel-general onde estava reunido o gabinete Ouro Preto.

Embora já no Brasil, a viagem não terminaria ali para aqueles peregrinos da dor e da esperança. Dor da separação, que mais tarde soube-se ser definitiva entre o pai e seus três filhos aqui deixados; e esperança de dias e um futuro melhores para os adolescentes que por aqui ficaram, exceto o mais novo, Juan, que, anos depois, mudou-se para Rosário de Santa Fé, Argentina.

Entregues as crianças para o amigo imigrante, que já se encontrava em terras brasileiras há algum tempo, Juan, o pai, retornou à Espanha para junto da esposa Luciana e das filhas Felicidad e Francisca, que naquele país tinham permanecido. Nunca mais se encontraram, nunca mais se viram. Permaneceu entre eles, tão somente, um frágil elo criado pela troca de correspondências que, ao que tudo indica, no ano de 1922 rompeu-se definitiva e completamente.

O filho Antonio mais tarde viria a conhecer e casar-se com uma conterrânea, também imigrante, de nome Manuela Lansac Toha. Da união dos dois nasceu meu pai, Júlio, E por conta de duas ou três cartas trocadas entre meu avô Antonio, seus pais na Espanha e o irmão Juan, na Argentina — correspondências essas encontradas dentre os diversos documentos guardados por meu pai com especial carinho –, pude, de seu conteúdo, identificar a origem da família.

E em abril do ano de 2000, cento e onze anos após aquela separação, meu irmão Oscar e eu restabelecemos os anéis que formam a cadeia familiar Lopez Carbajo. Visitamos Villar de los Barrios, o “pueblo” medieval que resiste bravamente ao crescimento de Ponferrada, onde encontramos os irmãos José e Antonio Enrique, primos em primeiro grau de nosso pai, filhos daquela menina Francisca que permanecera para sempre na Espanha no longínquo 04 de março de 1889.
Com meu grito de resgate,
Braulino Quintiliano Lansac

P.S.: Meus avós paternos chamavam-se Antonio Lopez Carbajo e Manuela Lansac Toha. Na Espanha, mantém-se o sobrenome do pai como primeiro sobrenome, diferentemente dos costumes brasileiros que colocam em último lugar o sobrenome do pai. Meu genitor foi registrado seguindo a tradição espanhola: Júlio Lopez Lansac. Quando fomos registrados, meus irmãos e eu, a confusão teve início. De Braulino Lopez Oliveira, como deveria ser se seguida a tradição ibérica, acabei tornando-me Braulino Quintiliano Lanzac (Quintiliano de meu avô materno, Braulino Quintiliano de Oliveira e Lanzac, de minha avó materna Manuela Lansac Toha).

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