Bicicletas

Sabe, meu querido e inútil Facebook, chego à conclusão que foi ano Natal de l951 que meus pais, contando com os recursos levantados por minha mãe com sua atividade de doceira, compraram e deram para meus irmãos Oscar e Maria Carolina bicicletas novas. Para ele, uma Phillips preta; para ela, uma Husqvarna vinho que, além de feminina, trazia sob o garfo dianteiro um sistema de molejo simplesmente fantástico. Coisas da Suécia. Ambas as bicicletas tinham aro 28. Creio que não havia na indústria brasileira, naquela época, fábrica de bicicletas. E já tínhamos passado na metade do século XX. Com sete anos, na beiradinha do oitavo, meus pais reformaram e presentearam-me com a bicicleta que até então tinha sido de meu irmão, uma Hercules preta, aro 24, que me foi reapresentada novinha em folha. Claro que fiquei enciumado pelo fato de meus irmãos terem ganhado bicicletas novas aro 28 e eu uma reformada aro 24. Tolices de criança, mas que fiquei, fiquei, lembro-me muito bem.

Marília não era uma cidade ideal para andarmos de bicicleta, já que seu calçamento, onde havia, era de paralelepípedo. Alem do que, por ser uma cidade alta, quase setecentos metros de altitude, havia muitas subidas. A da rua Rio Grande do Sul, para mim, era a mais notável, embora a rua Bandeirantes, onde residia, também fosse uma descida desde a Avenida Sampaio Vidal até a curva lá embaixo, na saída para a cidade de Garça. Memórias de criança.

Mas, aproveitei o que pude, não obstante as dificuldades de transitar naquele relevo e o meu rápido crescimento. A situação virou uma festa mesmo no início do ano de 1953, quando nos mudamos para Araçatuba. Em pouco tempo, ao nosso conjunto de bicicletas foi acrescentada uma Monark, marca originalmente sueca e que já estava sendo fabricada no Brasil. Araçatuba era considerada a segunda cidade do Brasil em número de bicicletas por habitante, perdendo, segundo os “estudiosos” da época, apenas para a cidade de Joinville, no Estado de Santa Catarina.

Tudo, absolutamente tudo, fazíamos com a bicicleta. Até irmos duas ou três esquinas de distância para as compras emergenciais de Dona Denise no empório do Sr. Mazzei. Só não podia entrar com meu veículo de duas rodas na praça Getúlio Vargas, a não ser que quisesse sair emergencialmente correndo do reio do Sr. Adolfo, guarda do local. Por falar em reio, era com a bicicleta que fugíamos também dos reios do Zé do Berro e Zé da Cruz, depois de mexermos com eles com o uso de assovios e xingamentos nossos xingamento e assovios. Moleque não presta mesmo.

Sábados ou domingos pela tarde – ou, ainda melhor, nas manhãs de feriados –, aproveitávamos para viajar até as cidades de lugarejos vizinhos. Tudo coisa que não escedia a distância de 20 km. O lugar mais frequentado era Guatambu, onde praticamente havia apenas uma parada de trens da NOB – Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e onde o pai do nosso amigo Welington tinha uma chácara. Pés de laranja lima na beira da estrada eram as principais atração. Visitávamos também Birigui, Guararapes e até o local onde o pai do amigo Miranda tinha fábrica de aguardente. Não me recordo em que município ficava o alambique. O que não me esqueço, isso sim, é que íamos de bicicleta até o local e transitando pelas beiradas da estrada de ferro, muito mais planas que outro eventual caminho existente.
Bons tempos. Creio que aproveitei todas as bicicletas mais que meus irmãos, que foram estudar fora de Araçatuba e ausentaram-me por algum tempo. A Husqvarna de minha irmã, da qual tirei para-lamas, protetor de corrente e bagageiro, foi utilizada até em corrida de bicicleta naqueles campeonatos de diversas modalidades esportivas, organizados e levados a efeito pelo nosso professor de Educação Física do I.E.E. Manoel Bento da Cruz, o inesquecível e competente Sr. Daniel Ferraz.
De vez em quando eu levava um susto. Ia de bicicleta ao Cine São Francisco e guardava a bicicleta utilizada no corredor de um bar vizinho, de japoneses ou nisseis. Ao final da sessão, saía conversando com amigos que moravam na mesma direção que eu e esquecia a bicicleta para trás. Só no dia seguinte dava conta do esquecimento e corria até lá pedindo aos céus que não tivessem roubado a magrela olvidada. Senão, sova com certeza.

Muitos anos de diversão, aventuras, alegrias e tristezas. Que não voltam mais, mas que, paradoxalmente, ainda estão comigo, aqui e agora, hoje.

Incomodar<< >>Minha mãe artista

About the author : B.Lansac