Debutando no Nordeste

O telefone toca e acaba com minha tranqüilidade, refestelado que estava na poltrona assistindo na tv as imagens do desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Era manhã de terça-feira de carnaval, 23 de fevereiro do ano de 1982. Vivia e trabalhava em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e já havia decidido pela exclusiva carreira no Banco do Brasil, após ter deixado a cátedra na Universidade Federal.

— Braulino?, pergunta a voz do outro lado. Parabéns! Você foi nomeado supervisor na agência de Anadia, lá no Estado de Alagoas! Era o Mario Benjamin, amigo e colega que trabalhava em Brasília, dando-me a notícia em primeira mão.
Putz! Maisa Matarazzo veio-me à cabeça imediatamente. Meu mundo caiu, pensei de cara.

Anadia?!?!?! Nem me recordava mais que concorria para uma cidade com esse nome. Graças a não sei exatamente o quê, antes de apavorar-me por inteiro lembrei-me que, em minha concorrência, cuidadosamente feita com o livro de endereços do Banco do Brasil e com o mapa do Brasil do Guia 4 Rodas, só tinha incluído agências que estavam situadas a distâncias não superiores a 100 quilômetros da orla marítima e das capitais. Era a minha salvaguarda para eventuais surpresas como essa. Afinal, qualquer que fosse o lugar, estaria próximo à praia — nosso grande sonho — e de uma boa cidade, para onde poderia recorrer na necessidade de hospitais, médicos e escolas para meus filhos, já adolescentes. Concorria desde Aracati, no Ceará, até Torres, no Rio Grande do Sul, num total de mais de duzentos e cinqüenta agências.

Uns dois meses depois daquele inesperado telefonema, ao acordar-me lá pelas cinco, cinco e meia da manhã, quarto já claro, estendo o braço sobre a cama e não encontro minha mulher. Levanto a cabeça e vejo-a junto à janela, maravilhada com o nascer do sol no horizonte da Praia da Avenida. Ah!… o arrastão dos pescadores. As jangadas, ancoradas inertes nas areias, estavam com suas pálidas velas recolhidas. Estávamos no quinto ou sexto andar do hotel Praiamar, em Maceió, Alagoas. A aventura tivera início. O próximo passo seria dado na estação rodoviária. Anadia estava a aproximadamente noventa quilômetros distante da capital, praticamente na divisa entre zona da mata e o agreste. Pelas informações, teríamos de ir de ônibus até a cidade de Maribondo, onde uma lotação do tipo kombi nos levaria até a cidade em que iria assumir a chefia da CREAI do Banco do Brasil.

A primeira surpresa, obviamente, era a de que não havia nem seca, nem sertão e muito menos jegues pelo caminho. Afinal, onde estavam os xiquexiques e os mandacarus? A estrada era boa, toda asfaltada, com muita e vicejante vegetação em todo o seu redor.Estávamos viajando pela zona da mata alagoana, região com cultivo predominante da cana de açúcar. E muitos vales de vegetação baixa, capineira, oferecendo pasto abundante a bois, cabras e ovelhas, também eram moldurados pelas janelas do confortável ônibus.

Em Maribondo as expectativas aumentam. O transporte oferecido pela lotação era uma bagunça organizada. Aquela história  de passageiros com engradados de pato, sacos de inhame, de milho, réstias de alho, botinas e o indefectível chapeuzinho de couro recém adquiridos na feira local. Éramos a mulher, meus dois filhos, eu e mais um monte de matutos, matutas e matutinhos. Após a primeira chacoalhada no buraco da estrada entre Maribondo e Anadia tudo se acomodou. A apreensão agora ficava por conta da pergunta que não queria calar: — Onde e como era a cidade para onde estávamos indo? E a casa que o gerente da agência havia nos reservado para alugar?

As casas que tínhamos visto nas cercanias de Maribondo eram todas coladas umas às outras, numa formação muito diferente para os padrões a que estávamos acostumados. Onde será que tinham colocado as janelas laterais e os corredores?
De repente, pelo vidro frontal da Kombi, numa curva, destaca-se um aglomerado de casas, também coladinhas entre si. Frio geral na barriga da minha tripulação. Anadia não podia ser aquilo. Ufa!… não era! Aquele lugarzinho chamava-se, não sem razão, Tapera.
Mais alguns cinco ou seis quilômetros e lá estávamos conhecendo a terceira mais antiga cidade do Estado de Alagoas. Ruas estreitas, calçamento com paralelepípedos — quando havia –, mais uma vez casinhas grudadas umas às outras e gente, muita gente. O motorista da lotação pára defronte ao Banco do Brasil e, com malas e cuias, lá ficamos. E ficaríamos por mais dois anos.
A partir daquele momento, ao entrarmos no recinto da agência, que abria ao público às sete horas da manhã, éramos, minha mulher, meus filhos e eu objetos da mais nova curiosidade da praça. Nada mais diferente para aquela gente do que nossas figuras de “sulistas”.
Novas, inúmeras e inesquecíveis lições iriam ser registradas a partir daquele momento nas páginas da vida de todos nós. Teriam as nossas e as assinaturas de novos personagens e, sobretudo, e também o mais importante, de novos amigos. Nossos destinos estavam com seus rumos inexoravelmente alterados p’ra mais de noventa graus.
Êtcha batismo da pega! Debutávamos num universo totalmente diferente: nos hábitos, nos costumes e muito no linguajar. Debutávamos no nordeste brasileiro, com direito a aboio e vaquejada.

>>Esclarecimento

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