Incomodar

De vez em quando, não muitas vezes, minha mãe chamava-me e dizia:
– Vou fazer uma visita para D. Fulana. Você vai comigo, mas veja se não vai incomodar ninguém. Tome água, vá ao banheiro agora.

Nunca soube exatamente a razão pela qual ela me levava, ou a outro de meus irmãos – se é que eles passaram por tal experiência –, porque meu papel era apenas o de sentar numa dos lugares oferecidos na sala de visitas e ficar imóvel, calado, sem incomodar, como determinado. Sem incomodar era determinante para não sofrer as consequências doloridas quando voltássemos para casa.

Durante a visita, lá pelas tantas, D. Fulana muito gentilmente oferecia:
– D. Denise, aceita um cafezinho ou um copo de suco ou refrigerante, com um pedaço de bolo de fubá? Fiz ainda hoje. Seu menino aceita?

Enquanto agradecia e declinava da oferta, o olhar de minha mãe atravessava a sala e me fulminava do outro lado, onde eu estava. Nem pensar em dizer que aceitava, ainda mais bolo de fubá, o meu preferido. A ordem de não incomodar dada ainda lá em casa, na nossa saída, impedia-me de dizer, pensar ou ousar qualquer outra coisa que saíse de meus lábios e que não fosse:
– Não, D. Fulana. Muito obrigado.

Quando muito acrescentava qualquer coisa como “estou sem vontade”, o que já era de um enorme risco para minha saúde física. Mas, passava pelo crivo do olhar e do gesto severo que minha mãe me endereçava.

Eram outros tempos, outros modos, outras neuroses. Mas com consequências que chegavam até ao nosso DNA, carimbando-o definitivamente por toda nossa existência. No meu caso, por exemplo, tenho absoluta certeza que a educação recebida de minha mãe marcou indelevelmente em meu DNA o compromisso de não incomodar as pessoas, mesmo que não esteja incomodando. Até hoje, pago para não incomodar, seja lá quem for e a razão pela qual exponho aquela minha marca genética.

Realmente, outros tempos. Milagre ou maldição, quem sabe, já que se trata de comportamento humano?

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