Acaso, coincidência, coisa e tal

Não vi suficientemente coisas em minha vida. Como gostaria de ter visto e testemunhado. Mas o que vi me basta para muitas conclusões. Pelo acaso, coincidências e coisas do tipo sempre me interessei e estive atento. Lá pelos idos de 1963 e 1964, quando soldado fardado não pagava ingresso, e também quando o quartel onde eu servi o Exército não estava de prontidão, ia ao Maracanã assistir a alguns e principais jogos. Sei que muitos não irão acreditar e talvez nunca tenham ouvido falar no Bangu Atlético Clube, mas eles tinham uma equipe muito boa naquela época. Era muito bom ver um neguinho ligeiro e bom de bola chamado Paulo Borges, pela ponta direita, e um goleiro, Pompéia, que fazia pontes acrobáticas sensacionais nas bolas altas, nem sempre necessárias. Daqueles anos, e talvez um pouco mais adiante, creio que também eram Amaro, Aladim, Fidélis, Parada e Bianchini. Um ótimo time que em 1966 sagrou-se campeão carioca. Além dos jogos do Bangu, dava meu ar da graça no Maracanã para assistir às pelejas do Fluminense, cujo ponta-direita, Edinho, era colega de companhia no 1° Batalhão de Polícia do Exército, bem como as partidas das quais participava o Botafogo, time que disputava com o Santos da época o título de melhor time do país. Estas duas equipes, juntas, praticamente formavam a seleção brasileira.

Mas, vamos voltar ao assunto acaso, coincidência, acidentes de percurso e coisas do gênero. Sentado na arquibancada do Maracanã num daqueles domingos de Bangu, Fluminense ou Botafogo, com aquele tradicional gesto dos fumantes usando o polegar e o dedo médio, atirei para o alto a bituca de meu cigarro. Confesso que não me lembro se era Continental, Luis XV ou Minister, novidade com filtro. A marca variava conforme do dinheiro disponível para comprar e quando não havia, recorria-se ao Simidão. Pois, acreditem se quiserem, a guimba voou alto e caiu sobre o degrau logo abaixo daquele onde eu estava, em pé. E em pé ficou.

Prosseguindo, em minha última passagem por Campo Grande, como funcionário do Banco do Brasil, trabalhava na Superintendência Estadual. Algum tempo depois de minha chegada, aconteceu a de outro funcionário por quem tenho grande estima e amizade. Um belo dia, enquanto conversávamos, descobrimos que, embora em épocas diferentes, tínhamos morado na mesma cidade, Marília. E mais, na mesma rua: Bandeirantes. E mais ainda: quando lhe contava sobre minha vida por ali, descrevi um acontecimento quando, ao entrar numa casa que tinha mangueiras na frente do terreno, fui perseguido e mordido por um cão, meu amigo revelou que foi a casa onde morou. Difícil de acreditar, não é?

Saindo do particular e indo para o geral, falando realmente sobre fatos importantes, mas que não deixam de terem sido acidentes de percurso muito mais inacreditáveis, dos quais inclusive a raça humana dependeu para a sua existência, aconteceram muito, mas muito tempo antes mesmo. Foram dois os “acidentes”, mais especificamente, dois. O primeiro, cerca de sessenta e cinco milhões atrás, estimadamente, quando um tremendo asteróide caiu sobre a Terra, próximo de onde fica a península de Yucatán. Este asteróide era tão descomunal que quando ele tocou a água do mar, sua outra ponta ainda estava a uma altura de onze quilômetros, mais ou menos a altura em que voam os grande jatos hoje, bem mais alto que o mais alto ponto do Everest. Deste choque decorreu a extinção dos dinossauros, que dominavam o planeta há milhões de anos. E, por conta disso, e tão somente por conta disso, a partir daí foi que os mamíferos evoluíram, quando então, depois de toda a tragédia superada, saíram de suas tocas e esconderijos onde viviam, seres pequenos e indefesos que eram.

Os milhões de anos passaram-se e os mamíferos evoluíram dando origem a várias espécies, entre elas os primatas. E mais uma vez se fez outro acidente de percurso, outra obra do acaso, coincidência ou como desejarem chamar. Entre quatro ou cinco milhões de anos atrás, por razões ainda muito discutidas, alguns daqueles primatas transformaram-se de quadrúpedes em bípedes. A teoria é que com a elevação do solo numa parte da costa leste da África, as montanhas e as mudanças climáticas decorrentes modificaram a vegetação antes constituída por selva — árvores e grandes arbustos para savanas. E determinados primatas tiveram de percorrer o chão à procura de comida por entre a vegetação modificada. Por conta das novas necessidades, tiveram de se levantar sobre duas pernas e olhar por cima das gramíneas em busca de alimento e para localizar predadores. Mais alguns milhões de anos a partir daí e já estavam deixando o território africano, rumo ao oriente médio, Ásia, Austrália e Europa . Um pulo na escala de tempo de nosso planeta, mas uma longa trajetória na escala humana. Um simples pular de galho em galho transformado em caminhar sobre dois pés.

Vejam só como são as coisas. Não fosse a queda de um asteróide há cerca de 65 milhões de anos atrás e a elevação do terreno por conta da movimentação de placas tectônicas há uns quatro ou cinco milhões de anos passados no nordeste da África, este suposto descendente daquele grupo de primatas superiores, os Homo Sapiens, não estaria aqui a escrever-lhes sobre jogar toco de cigarro para cima e reminiscências trocadas entre amigos envolvendo a cidade de Marília (SP). Que azar o de vocês, falem a verdade?
Pois é! Coisas do acaso, coincidência, coisas e tal. Bem feito!

Se eu disser que estive de cara a cara com ela<< >>a sala ampla e o cinzeiro

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